domingo, 21 de setembro de 2014

Palavras Finais - parte 2

A Organização
Em termos de estrutura nunca vi nada igual. Uma prova de nível profissional. Desde a cronometragem, as largadas em  comboio, o transporte de mochilas e malas, os batedores de moto, os carros de apoio da Mavic,  as ambulâncias e os médicos de moto. Os diversos profissionais utilizados nesse prova são os mesmos que fazem esse tipo de apoio no Tour de France. São profissionais experientes e também conhecedores da região, pois basicamente fizemos os trechos dos Pirineus que o pessoal do Tour de France faz.

As Montanhas
Passamos por montanhas místicas que são percurso oficial do Tour de France há mais de 50 anos. Dá pra sentir a energia que têm esses lugares. O chão é todo escrito com palavras de incentivo dos torcedores. Há sempre muitos ciclistas fazendo o percurso, em grupos ou sozinhos. Porém todos parecem extasiados por estarem fazendo aquele percurso. Assim como turistas sem bicicleta incentivando os ciclistas. Não tem como não sentir nada especial nesses lugares como o Tourmalet, Soulor, Aubisque,  entre outros.

Cabeça e Corpo
É impressionante como nosso corpo é resistente e tem muita força. Se você treinou o corpo responde. E durante a prova o corpo vai ficando mais forte. O corpo tem uma lógica de funcionamento muito cartesiana. É simplesmente se alimentar, se hidratar, se alongar e descansar que o corpo não vai negar fogo. Já a cabeça não segue uma lógica linear. Funciona por tentativa e erro. Voa e se distrai. Fica ora eufórica, ora deprimida, oscilando entre os extremos numa velocidade muito grande. O meu truque para mantê-la serena foi controlar a respiração. Mantê-la ritmada e mais funda possível. Concentrando se somente no pedal. Conversando comigo mesmo me incentivando em voz alta, e também com a Gretchen e com o Taiki.
Entendi perfeitamente quando se diz que essas provas de endurance se ganha com a cabeça.

As Pessoas
Há uma cumplicidade e solidariedade entre os competidores que antes de competir com alguém estão lá competindo consigo mesmo. É uma competição onde se busca o menor tempo, mas claramente não é a qualquer custo. Há sempre um certo companheirismo seja no meu grupo mais lento como nos grupos de ponta.

As Cidades
São pequenas vilas, francesas em sua maioria. Vilas de montanha perto de estações de esqui. Tem alguma estrutura mas são apenas vilas pacatas na sua essência, ainda mais fora da alta temporada. Algumas delas deu vontade de voltar com mais calma. Gostei muito das cidades. São acolhedoras e aconchegantes.

O Sofrimento
Muito ouço dizer e ser perguntado sobre sofrimento no pedal. Não sofri. Pra mim a definição de sofrimento é outra. Sofrer é ver meu filho doente, vê-lo sentir dor, etc. Sofrer pra mim tem a ver com impotência, situações em que você gostaria de fazer alguma coisa mas é incapaz. Ou seja, não tem nada a ver com pedalar.
Senti dor, cansaço físico e mental, senti muito calor e muito frio quase que alternadamente e em sequência, senti medo, senti muita coisa. Mas não sofri em momento algum. Muito pelo contrário, senti uma plenitude muito grande, uma sensação de realização, de prazer, de êxtase, de integração com a natureza, de paz. Foi uma felicidade indescritível.

Agradecimentos
Obrigado novamente a todas as pessoas que já agradeci.

Obrigado pela torcida e o pensamento positivo das pessoas que ainda não agradeci. E agradeço de forma diferenciada ao Luís Sequeira que foi meu guru ciclistico e meu porto seguro ao final de cada dia pedal. O Luís me deu paz, tranquilidade e confiança para eu perseguir meus objetivos. Obrigado Luís.

Agradeço ainda aos organizadores e pessoal de apoio do Haute Route. Foram profissionais exemplares que eram tecnicamente impecáveis e tinham uma boa vontade e simpatia impressionantes. Eles claramente estavam fazendo o que amam. Tenho certeza disso. Muito obrigado. E finalmente obrigado especial a Gaelle que cuidou diariamente das minhas dores musculares com muita simpatia e técnica.

Despedida
Uma experiência como a que vivi não acaba nunca. É uma coisa que vai ficar para a vida toda. O aprendizado e as sensações que tive e as que ainda vou descobrir que tive, tenho certeza que são coisas pra uma vida. Mas, tudo tem um fim. E o propósito desse blog acho que foi mais do que cumprido.

Mais uma vez obrigado a todos que receberam a realização de um sonho meu de braços abertos e de um jeito ou de outro também fizeram parte dele.

Até a próxima aventura...

Em Argeles-Gazost, final do 4o dia

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